Para quem imaginava que a quarta-feira seria apenas um dia de despedida, quase melancólico e sem adrenalina, o dia começou parecendo confirmar esta idéia. Nos reunimos no saguão do hotel e fomos até a famosa patisserie da esquina comprar nosso café (croissants, bombas de chocolate e suco) para tomarmos no jardim da igreja de St.Medard quase ao lado do hotel.
Lá, a primeira despedida do dia: o Paulo ia separar-se de nós logo cedo (por volta de 9h30min) para ir em direção ao estádio do Roland Garros, onde assistiria os jogos das quartas de finais do Guga e do Meligeni. Fotos, últimos momentos registrados em vídeo, choro e começava-se a se separar o grupo de uma das melhores viagens de nossas vidas. Enquanto o Paulo seguia para o metrô, o grupo se separou: o Caio e a Aline foram fazer as últimas compras antes de irmos para o aeroporto, e a Jacque, a Karina, a Roberta e eu fomos caminhar um pouco pelas redondezas, o Jardin des Plantes.
O vôo de volta, saindo do aeroporto Charles de Gaulle, sairia às 18h30min e faria uma escala em Frankfurt, de onde sairíamos às 22 horas para São Paulo. Tínhamos, portanto, muito tempo livre até às três e meia da tarde, horário que planejáramos pegar um táxi - devido às bagagens - para o aeroporto.
Sem nenhum tipo de pressa e completamente relaxados, fomos passear nas nossas últimas horas de turista brasileiros na Europa. Saindo atrás da igreja de St.Medard, seguimos pela Rue Moffetard até a Rue Clovis, já no Quartier Latin, indo visitar a igreja de St.-Etienne-du-Mont, com seus vitrais admiráveis, que é a igreja que abriga os restos mortais de Sainte Geneviève, a padroeira de Paris. De lá, a poucos passos de distância, está a Sorbonne, que dispensa maiores comentários.
Passamos em frente à Faculte de Droit da Université de Paris, a faculdade de direito onde a Aline já havia tirado uma foto, por razões óbvias (ver início da história). De lá fomos até o Jardin du Luxembourg, um verde oásis de 25 hectares que é o parque mais popular de Paris. Lá, sentamos ao sol, brincamos com a Roberta, demos comida para as pombinhas e os patinhos. Era uma bela manhã de sol de final de primavera em Paris. Alguns casais de namorados circulavam de mãos dadas pelas ruas, alegres, sem compromissos. Felizes, enfim. Nós compartilhávamos essa alegria apenas por estarmos ali, na cidade luz.
Enquanto, inocentes, nós passeávamos pelas ruas e praças de Paris, o horror começava a se abater sobre os Perdidos, não muito longe dali. Logo após ter se despedido de nós e partido rumo ao estádio de Roland Garros para assistir os jogos de tênis, o Paulo foi para a estação de mêtro próxima ao Hotel de France, a Censier Daubenton. Lá chegando, a notícia que desencadearia uma quase operação de guerra em todos nós: o mêtro de Paris estava em greve porque, na noite anterior, um funcionário havia sido espancado até a morte por marginais quando os abordou numa inspeção de rotina dentro de um dos trens. A paralisação era por mais segurança. O Caio e a Aline, que iam fazer compras e pretendiam usar o mêtro, também logo descobriram isso.
Devido a cidade estar sem o metrô, o principal transporte coletivo da cidade, os ônibus (que nem havíamos cogitado utilizar) eram agora a única forma popular de locomoção, com exceção de bicicletas e nossas próprias pernas. Por isso, os três entraram no primeiro que viram. Levando-se em conta que as pessoas que tinham carro e não o usavam em detrimento do metrô tiraram seus carros da garagem, o caos estava armado. Ficaram quase quarenta minutos sem o ônibus sair do lugar, quando o Paulo desistiu, desceu e iniciou uma jornada que incluiu carona, táxi e caminhada até chegar ao estádio. O casal Z desistiu das compras e foi nos procurar para dar a notícia.
Fomos encontrados ainda sob a proteção bucólica do Jardin du Luxembourg numa manhã de primavera. Trazidos de volta à realidade do nosso delírio paz e amor, tomamos alguma decisões práticas para evitar problemas na nossa ida para o aeroporto: voltamos ao hotel, solicitamos por telefone táxis que nos pegariam às 13h15min, cedo o suficiente para que os engarrafamentos que certamente pegaríamos não nos atrasassem. De volta ao hotel, arrumação final das malas. Às 12hs nos encontramos e fomos almoçar no restaurante em frente ao hotel onde eu e o Paulo havíamos comido no nosso primeiro dia de Paris. Almoçamos acompanhando o Guga perder o jogo para o ucraniano Andrei Medvedev. Voltamos ao hotel, arrumação final, verificação de que não havíamos esquecido nada, e estávamos prontos para a longa viagem até o Charles de Gaulle pelo engarrafado trânsito parisiense em dia de greve do metrô.
Exatamente na hora marcada, as duas reluzentes Mercedes C280 que nos levariam ao aeroporto estavam nos esperando. Colocamos as nossas bagagens e por volta das 13h20 saímos. Surpresa: eram aproximadamente 13h45 quando chegamos. O paralisação havia sido suspensa e a cidade havia voltado ao seu ritmo normal. Devido ao nosso excesso de precaução, teríamos quase cinco horas de espera. E esperaríamos com as malas, pois o check-in só seria feito a partir das 17h. Paciência, era melhor esperar um pouco a mais do que correr o risco de perder o avião. Fomos a um dos cafés do terminal e ficamos (na verdade foi basicamente eu) assistindo a outro jogo de tênis na televisão, desta vez assistindo ao Fernando Meligeni vencer o espanhol Alex Corretja com uma facilidade surpreendente, reduzindo o meu passatempo de aeroporto a um tempo pequeno.
Visitamos várias lojas, free-shops, fizemos o check-in às 17h, tudo corria bem. A chamada do vôo foi às 17h45 e entramos na sala de embarque neste horário. Sentados tranqüilos, líamos jornais e revistas enquanto aguardávamos.
18h15... 18h30... 18h45... A adrenalina aumentando no grupo. Fui convocado a ver o que estava acontecendo. Descobri que atrasaríamos um pouco, a óbvia informação.
19h... Vou novamente conversar com o pessoal da Air France. O tempo em Frankfurt estava ruim, teríamos que esperar melhorar.
19h15... Ansiedade aumentando. "Vamos perder a conexão", diz alguém. Tento tranqüilizá-los dizendo que, mesmo se perdermos, ficaremos instalados em um hotel até nos conseguirem um novo vôo. Inútil tentativa. Converso novamente com o pessoal da companhia. Dizem que os vôos em Frankfurt também estão atrasados e que não há risco de perdermos a conexão.
19h30... Avisam que vamos embarcar em breve. Nuvens negras encobrem Paris.
20h... Vamos embarcar.
20h30... Pegamos o ônibus que vai nos levar até o avião.
20h40... Já no avião, nossos lugares são bem no fundo, praticamente os últimos. Sentam (de quem olha da frente para o fundo, da esquerda para direita): Karina, Roberta e Jacque, eu, o Caio e a Aline. Eu e a Jacque separados pelo corredor.
20h50... Levantamos vôo.
Quando achávamos que nossas tensões se resumiriam à dúvida sobre se chegaríamos a tempo para pegarmos o vôo VASP da conexão, quando terminávamos o lanche que nos fora servido, a adrenalina voltou a aumentar muito no grupo (já incompleto, sem o Paulo). Devido à passagem pelas densas e escuras nuvens que cobriam Paris, o avião passou por turbulências. Até aí, nada demais. Acontece que não foram simples turbulências. O avião sacudiu bastante, principalmente para nós que estávamos na parte traseira da aeronave. Com isso, a Jacque - que não gosta de aviões - ficou assustada, melhor, apavorada. O tempo total de duração da turbulência mais intensa não deve ter passado de 10 minutos, mas nesse tempo os restos dos lanches dos passageiros que não haviam sido recolhidos, principalmente as latas de refrigerante, caíram no chão. Uma comissária que guardou o carrinho do lanche na seu compartimento - na parte de trás do avião, perto de nós - não o fixou adequadamente e notou isso quando estava no meio do corredor, viu ele se soltando e ameaçando correr solto pelo avião. Com isso, correu meio avião para tentar evitar que isso acontecesse (passando em velocidade por nós).
Neste momento, a Jacque - apavorada e olhando para mim dizendo que estava com muito medo - ganhou a companhia da Karina e da Roberta no pavor e nas lágrimas. O Caio não falava nada ao meu lado, e a Aline também assustada, balbuciava coisas que eu não conseguia ouvir para o Caio. Eu - estranhamente e talvez porque alguém tinha que estar - estava calmo. Tentava tranqüilizar a Jacque de todas as formas, lembrava que turbulências eram comuns e que avião era o segundo meio de transporte mais seguro do mundo, só perdendo para o elevador...
Quando passou a turbulência, apenas o pessoal ali do fundinho do avião comemorou o fato de estarmos vivos e não termos caído, o que me fez pensar que só nós tínhamos sentido o chacoalhar. Com o grupo menos tenso - pero no mucho - decidi me preocupar com a segunda parte da viagem de volta. Chamei uma comissária e expliquei a ela a nossa situação: chegaríamos em Frankfurt às 22h, mesmo horário que o avião para São Paulo estaria partindo. Ela disse que ia tentar resolver o problema. Quando aterrissamos em solo alemão, o avião parou e todos os passageiros levantaram-se para pegar suas bagagens de mão, apareceu uma funcionária perguntando quem é que iria para São Paulo. Nos identificamos e desembarcamos antes dos outros passageiros.
Seguimos por um corredor - com o pessoal de terra nos apressando - até entrar num elevador, que desceu e se abriu na porta de um ônibus, onde uma funcionária da Air France nos esperava. De ônibus, atravessamos a pista do aeroporto de Frankfurt com ela conferindo as nossas passagens e não encontrando a da Jacque - que se queixava de que "tudo comigo, tudo comigo" - até chegar na plataforma onde nos esperavam com os cartões de embarque (já resolvido o problema dela). Saímos do ônibus, andamos por uma pequena rampa, e, finalmente e sãos e salvos, embarcamos no vôo que nos levaria de volta ao Brasil. Foi o check-in mais ágil de nossas vidas. De todos, fui o último a embarcar, e tive tempo de conversar com a tripulação, que contou que estavam atrasados e que ainda levaríamos cerca de uma hora até alçar vôo.
Foi um vôo muito tranqüilo, sem intercorrências. Logo após a janta, todos foram dormir. Desta vez não tomei nada para dormir porque estava preocupado com a Jacque e com as meninas as quais eu me sentia responsável, porque o Paulo não estava junto. Fui dormir bem tarde, porque fiquei algum tempo ainda velando o sono da minha esposa, da minha cunhada e da minha linda afilhadinha.
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